sábado, 10 de novembro de 2012



A ascensão e queda de um policial civil preso por escoltar traficantes em fuga da Rocinha

Quando amanheceu o dia 9 de novembro de 2011, Carlos Daniel Ferreira Dias, de 31 anos, não era apenas mais um entre os cerca de 10 mil policiais civis do estado do Rio. Era o garoto de ouro das investigações sobre a Rocinha, referência quando o assunto era tráfico numa das maiores favelas do país. Doze horas depois, o inspetor também se destacava: rosto no asfalto, mãos algemadas, era preso no meio de uma rua da Gávea pela Polícia Federal por escoltar bandidos em fuga da comunidade — que seria ocupada, dias depois, pelas forças de segurança. Após um ano, a prisão do policial não sai da memória dos colegas que trabalharam lado a lado com o inspetor - alguns deles ouvidos pelo EXTRA. Todos definem numa palavra a ascensão e queda do policial: vergonha.

Daniel estava com a carteira de policial ao ser preso
Daniel estava com a carteira de policial ao ser preso
Nascido e criado na Vila da Penha, Daniel teve o privilégio de estudar em escolas particulares do bairro e frequentar cursos de inglês. Era estudioso, lia muito. Desde criança, tinha um sonho: ser advogado.
Chegou a trabalhar, ainda adolescente, como auxiliar num escritório de advocacia. Em 2001, resolveu fazer prova para inspetor da Polícia Civil. Passou e, no ano seguinte, começou uma carreira que parecia ser promissora.
Já no primeiro ano de polícia, Daniel se destacou pela inteligência e a dedicação. Talentoso, não era um policial como outro qualquer. Tinha nascido para a função. A ex-deputada federal e policial Marina Maggessi trabalhou com Daniel na extinta Delegacia de Repressão a Entorpecentes, em 2002, conta que já via, naquela época, um futuro brilhante para ele.

- Todo mundo elogiava muito o Daniel. Foi um dos policiais mais incríveis daquela geração. Tinha potencial para, um dia, virar um chefe de polícia - relembra Marina.
Inteligente e curioso, seu ponto forte eram as investigações e grampos telefônicos. Fazia relatórios quase perfeitos. Às vezes, escorregava no português. Mero detalhe. Sua habilidade é reconhecida por aqueles que trabalharam com ele.
- Ele era excepcional, e me ensinou muita coisa - conta um policial que entrou na Civil no mesmo ano que Daniel e trabalhou com ele.
Em posição de destaque na polícia, o inspetor não se acomodou. Cursava Direito em faculdade particular, mas o sonho de infância se tornou mais ousado. Queria se tornar delegado. Depois, promotor, juiz e, então, desembargador. Pretendia voar alto.

Carlos Daniel, ao chegar para uma audiência em processo no qual é réu
Carlos Daniel, ao chegar para uma audiência em processo no qual é réu Foto: Fabiano Rocha/ Extra
Habilidade no grampo
Em dez anos de polícia, Carlos Daniel teve duas passagens pela 15ª DP (Gávea): em 2002 e 2003. A segunda durou até 2007. Virou referência quando o assunto era Rocinha e a quadrilha de Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, ex-chefe do tráfico na comunidade.
Com grande habilidade nos grampos telefônicos, o policial tinha muita informação sobre os criminosos da área. A prisão de alguns deles, como Dudu da Rocinha e Patrick do Vidigal, foi resultado de suas investigações. A operação que resultou na morte do maior ladrão de residências do Rio, Pedro Dom, também.
A única condenação de Nem por tráfico de drogas ocorreu a partir do trabalho de Daniel. Por duas vezes, em 2005 e 2006, a equipe do policial na 15ª DP ganhou moções de louvor na Assembleia Legislativa, pelo trabalho contra o crime na região. Ambas condedidas pelo então deputado Noel de Carvalho.
Carro caro e sociedade em campo de paintball
O policial que era referência, porém, começou a ser alvo de desconfiança dos colegas de polícia. Em dezembro de 2009, abriu um campo de paintball em sociedade, meio a meio, com Alexandre Leopoldino Pereira da Silva, o Perninha — morador da Rocinha preso em 2005 por tráfico de drogas. Embora nunca tenha ostentado riqueza — o máximo que usava era uma pulseira grossa de ouro — tinha um Honda Civic ano 2009 (um novo custa cerca de R$ 60 mil) apesar do salário em torno de R$ 2.500.
Daniel começou a descobrir que as informações que tirava dos grampos lhe davam poder. Para alguns amigos, ficou arrogante porque sabia demais sobre o crime.
Os policiais que conhecem a trajetória de Daniel garantem que o envolvimento dele com traficantes, na realidade, foi com os bandidos do Morro do São Carlos, então dominado pela mesma facção da Rocinha.
Com a ocupação da comunidade no centro do Rio, em fevereiro de 2011, o policial teria ajudado os criminosos a fugirem para a favela de São Conrado, levando armas e drogas. Assim, Daniel teria se aproximado dos bandidos da Rocinha. Mas ele e Nem não se davam bem. O traficante foi o responsável pela morte de dois informantes que Daniel tinha na Rocinha. Um deles era Lucas do Gás.
A interceptação telefônica de uma conversa entre Nem e um policial civil, em 2006, mostra que o traficante ficou sabendo que Lucas era informante de Daniel. Naquela noite, o X-9 foi morto. Daniel chegou a ter um filho com a irmã de Lucas.
'Se ele ganhou tanto dinheiro assim, onde foi parar?'
Entrevista com Rosa Maria Ferreira Dias, vendedora e mãe de Carlos Daniel, de 46 anos
O que seu filho te contou sobre o dia no qual foi preso?
Ele foi fazer um trabalho que não deu certo. Alguém passou ele para trás. Ele não me explicou o que era, só que estava trabalhando e foi enganado. Estava até com o distintivo da polícia.
Você já tinha desconfiado que seu filho tinha envolvimento com algo errado?
Meu filho nunca fez nada de errado. Nem apartamento próprio ele tem. O nome do meu filho é trabalho. Já vi ele perder muitas horas de sono pela polícia.
A senhora acha que ele estava envolvido com o crime?
Meu coração de mãe diz que não. Até porque eu, com a maior dificuldade, moro nesse apartamento, pagando aluguel de R$ 400. Trabalho até quatro da manhã todos os dias, vendendo salgadinhos. Se ele ganhou tanto dinheiro assim, onde foi parar? Não sei dessa grana toda não.
Como está o Carlos Daniel na prisão?
Ele leva tudo sempre com muito bom humor. Acho que é para não me fazer sofrer mais. Levo tudo para ele, do sabonete à comida. Faço questão que ele tenha tudo o que quer. E ele gosta de comida pesada: lasanha, massa, doce de abóbora, pudim de leite.

fontehttp://www.globo.com/

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